Necrose extensa em face pós-ritidoplastia: relato de caso

Supplement Symposium Miner of Intercurrences 12th SYMPOSIUM – 2018 – Year2019 – Volume34 – (Suppl.2)

TICIANO CÉSAR TEIXEIRA CLÓ1,*; WALTER FERRAZ FLÁVIO1; FELIPE XAVIER CLÓ4

RESUMO

Introdução: Necrose do retalho cutâneo representa uma importante complicação cirúrgica pós-ritidoplastia, de difícil tratamento e com possibilidade de graves deformidades.

Métodos: Por meio do relato de caso de ritidoplastia que evoluiu com grande necrose bilateral, objetiva-se discutir os diversos aspectos desta complicação pós-operatória.

Resultados: Homem de 62 anos, submetido a ritidoplastia, que apresentou grande hematoma expansivo bilateral tratado com drenagem cirúrgica. Evoluiu rapidamente com necrose bilateral pré-auricular do retalho cutâneo. Após tratamento conservador, houve completa retração e epitelização da ferida, seguido de correção cirúrgica das cicatrizes com ótimo resultado. Quando a necrose se instala rapidamente inviabilizando tentativas de melhora da perfusão local, as opções de tratamento tornam-se limitadas: desbridamentos que devem ser tardios e conservadores, cicatrização por segunda intenção e curativos diversos.

Conclusão: Mesmo em grandes necroses de face, é possível se obter ótimos resultados finais através de tratamento conservador e pouco intervencionista.

Palavras-chave: Face; Ritidoplastia; Hematoma; Necrose; Isquemia; Cirurgia plástica

INTRODUÇÃO

A preocupação com a velhice e com um possível rejuvenescimento existe desde tempo muito remoto. Não se sabe ao certo quando tiveram início os procedimentos cirúrgicos com finalidade exclusiva de rejuvenescimento facial – isso porque eram praticados sob sigilo e em regime ambulatorial, e os cirurgiões que as faziam eram considerados argentários e seus pacientes possuidores de vaidade excessiva1,2.

O tratamento cirúrgico para o envelhecimento facial é a ritidoplastia ou face lift. Suas principais complicações são hematoma, seroma, deiscências, infecções, lesões nervosas, necrose de pele, hipertrofias cicatriciais, injúrias parotídeas e deformidades em lóbulo de orelha1-7.

Dentre todas, a complicação mais frequente continua sendo o hematoma que, em algumas situações, pode comprometer a vascularização do retalho levando a necrose tecidual e exigir reabordagem cirúrgica3-12.

OBJETIVO

O artigo visa expor e discutir um caso clínico de ritidoplastia que evoluiu com grande hematoma bilateral seguido por rápida e extensa necrose de face, também bilateral.

MÉTODO

A partir da exposição de um caso clínico de ritidoplastia que intercorreu com hematoma facial bilateral com conseguinte necrose facial extensa, procurou-se discutir sobre maneiras de se prevenir e tratar tais complicações, além dos fatores associados, casuística pessoal e da literatura, diagnóstico e cuidados específicos no manejo pós-operatório.

RESULTADOS

Trata-se de paciente VPA de 62 anos, masculino, com queixas de envelhecimento facial (excesso de pele e flacidez em região palpebral, em terço médio e inferior da face). Portador de doença de Parkinson controlada, nunca foi submetido a nenhum tipo de tratamento estético na face, seja minimamente invasivo ou cirúrgico.

Foi submetido a lift cervicofacial seguindo os princípios do round-lift de Pitanguy. Foram realizadas incisões pré-pilosa temporal oblíqua, pré-auricular anterior ao trágus, retroauricular e mastoidea intrapilosa. Realizou-se dissecção e tração do SMAS pré-auricular com ressecção do excesso. Submetido também a blefaroplastia superior e lipoaspiração cruzada de região cervical e submentoniana.

A cirurgia foi realizada no período da manhã e ocorreu sem intercorrências.

Ao final da tarde, apresentou hematoma expansivo de face bilateral – de grande volume à esquerda e moderado à direita. Foi encaminhado ao Bloco Cirúrgico onde foram retiradas algumas suturas pré e retroauriculares, com drenagem do hematoma (cerca de 150 mL à esquerda). A área descolada foi então lavada com soro fisiológico gelado e realizada compressão local, seguido de enfaixamento e leve compressão com espuma.

Não houve recidiva do hematoma.

Entretanto, no dia seguinte, a face apresentava equimoses extensas que camuflaram área de isquemia que evoluiu para necrose.

No retorno do 4º dia de pós-operatório, o que suspeitávamos ser equimose definiu-se como área de necrose já estabelecida. E, em cerca de 7 dias, a mesma já apresentava-se mumificada (Figuras 1 e 2).

Figura 1 – Área de necrose em hemiface esquerda.
Figura 2 – Área de necrose em hemiface direita.

Foi optado por tratamento conservador. Iniciado uso de Dersani® nas crostas mumificadas. Realizado desbridamento gradual, e que só se iniciou dias após a mumificação quando as bordas das crostas começaram a se soltar.

Sobre as áreas desbridadas, iniciou-se uso de colagenase.  Após desbridamento completo das crostas mumificadas, foi iniciado alginato de cálcio intercalado com hidrocoloide em áreas que já apresentavam crescimento de tecido de granulação (Figura 3).

Figura 3 – Tecido de granulação em hemiface esquerda.

Por volta do 40º dia de pós-operatório, o tecido de granulação já era exuberante e já havia iniciado processo de contração da ferida; neste período manteve-se curativo com placa de hidrocoloide.

Importante ressaltar que, ao longo dos primeiros 40 dias de pós-operatório, o paciente foi atendido diariamente pelo cirurgião em sua residência ou no consultório (de maneira intercalada), e só quando o tecido de granulação se desenvolveu é que os curativos passaram a ser feitos com placas de hidrocoloide, e as visitas feitas duas vezes por semana.

Passados 90 dias, a ferida já havia apresentado enorme contração e epitelização importante com cicatrização quase completa (Figura 4).

Figura 4 – Ferida em epitelização.

Aos 5 meses de pós-operatório, foi realizada uma cirurgia corretiva somente em hemiface esquerda, visto que a da direita apresentou resultado satisfatório apenas com a cicatrização por segunda intenção. Assim, foi feito descolamento restrito pouco além das áreas cicatriciais, ressecção de cicatriz alargada pré-auricular e também ressecção elíptica em dobras cicatriciais na região mandibular (Figura 5).

Figura 5 – Cicatriz formada e marcação pré-operatória de área de descolamento e de ressecção.
Figura 6 – Resultado final após cirurgia corretiva.

Obteve-se resultado de boa qualidade, com boa evolução pós-operatória e sem intercorrências (Figura 6).

DISCUSSÃO

Necrose do retalho cutâneo representa uma importante complicação cirúrgica pós-ritidoplastia e, se extensa, é de difícil tratamento, com possibilidade de graves sequelas e amplas deformidades estéticas7.

Vários são os fatores que podem ser relacionados à necrose de pele no face lift, como tensão exagerada, retalho excessivamente delgado, amplos descolamentos, hematomas, curativos compressivos, diabetes, vasculopatias e o tabagismo, considerado o principal fator de risco7-10.

Sabidamente, o cigarro prejudica a cicatrização e vascularização do retalho – a nicotina aumenta a adesividade plaquetária e viscosidade do sangue, o que leva a tromboses oclusivas microvasculares e, consequentemente, isquemia tecidual7,10.

Alguns estudos revelam que descolamentos menores e realizados em planos mais profundos estariam associados a menor risco de necroses em face lift 8,10.

De acordo com a literatura, a incidência de hematoma em face lifts é de 0,2% a 8% dos casos3-8. Já a incidência de necrose de pele, como consequência ou não de hematomas, varia de 0,2% a 3% dos casos6,7,8.

Em nossa casuística, de janeiro de 1992 a março de 2018, foram realizados 1.136 face lifts – dados semelhantes a Rohrich, em 23 anos de análise3,4.

A partir de agosto de 2013, o autor dedica-se exclusivamente às cirurgias plásticas faciais, totalizando 484 face lifts desde então. Neste período, tivemos o total de 11 hematomas e de 2 necroses, traduzindo uma incidência de 2,2% e de 0,4% dos casos, respectivamente.

Infelizmente, a literatura atual sobre o manejo das necroses de pele em face é escassa e as opções de tratamento limitadas1,7,9. Quando se detecta a isquemia tecidual com sinais de sofrimento de pele, pode-se indicar que tentem melhorar a perfusão (oxigenoterapia hiperbárica, ozonoterapia, entre outros)1-9, mas, uma vez instalada a necrose, temos como opções a cicatrização por segunda intenção, desbridamento cirúrgico conservador, administração local de preparações antibióticas, curativos diversos (alginato, sulfadiazina de prata, hidrocloide) e injeções de vitaminas (A, C e E)1,7,9.

A necrose cutânea em face, uma vez estabelecida, deve ser sempre tratada da maneira mais conservadora possível, para evitar aumento de margens cruentas com perda de tecidos viáveis e maiores sequelas1,6,7,9.

A cicatrização por segunda intenção é uma ótima opção em todos os casos, principalmente para pequenas áreas de necrose ao longo da borda do retalho. Independente do tamanho da necrose, o desbridamento deve sempre ser muito conservador e sempre tardio (idealmente aguardando a mumificação completa da lesão e desprendimento espontâneo das crostas, com intuito de não ampliar as margens da ferida), e deixar a revisão das cicatrizes para um momento posterior1,6,7,9.

Outras opções como curativo à vácuo, oxigenoterapia hiperbárica, ozonoterapia (esta ainda experimental) e sutura elástica podem auxiliar na redução do tempo de cicatrização, mas ainda com uso restrito na face1,9.

Além das opções de curativo e tratamentos clínico e cirúrgico aqui descritas, a literatura existente sobre o manejo da necrose do retalho de pele após a ritidoplastia é exígua e exige maior estudo e investimento por parte dos cirurgiões plásticos1,7.

CONCLUSÃO

Ao término do tratamento foi possível constatar que, uma vez instalada uma necrose de grandes proporções em um retalho de pele da face, é possível se obter resultados estéticos de boa qualidade com um tratamento conservador que envolve apenas cuidados locais com curativos diários por várias semanas, além de desbridamentos conservadores e tardios, associado a apenas uma revisão cirúrgica de pequena monta realizada cinco meses depois da primeira cirurgia. O poder de contração da ferida na região pré-auricular provou ser bem maior que imaginávamos, o que foi de grande valia para o resultado final do processo.

REFERÊNCIAS

1. Pontes R. O universo da ritidoplastia. Rio de Janeiro: Revinter; 2011.

2. Castro CC. Ritidoplastia: arte e ciência. Di Livros; 2007.

3. Rohrich RJ, Narasimhan K. Long-term results in face lifting: observational results and evolution of technique. Plast Reconstr Surg. 2016 July; 138(1):97-108.

4. Ramanadham SR, Mapula S, Costa C, Narasimhan K, Coleman JE, Rohrich RJ. Evolution of hypertension management in face lifting in 1.089 patients: optimizing safety and outcomes. Plas Reconstr Surg. 2015 April; 135(4)1037-43.

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6. Pitanguy I, Ramos H, Garcia LC. Filosofia, técnica e complicações das ritidectomias através da observação e análise de 2.600 casos pessoais consecutivos. Rev Brasil Cir. 1972; 62:277-86.

7. Weissman O, Farber N, Remer E, Tessone A, Trivizki O, Bank J, et al. Post-facelift flap necrosis treatment using charged polystyrene microspheres. Can J Plast Surg. 2013 Spring; 21(1):45-7.

8. Mustoe TA, Park E. Evidence-based medicine: face lift. Plast Reconstr Surg. 2014 May; 133(5):1206-13.

9. Warren RJ, Neligan P. Cirurgia plástica: estética. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2015; 2:185-207.

10. Parikh SS, Jacono AA. Deep-plane face-lift as an alternative in the smoking patient. Arch Facial Plast Surg. 2011 July/Aug; 13(4):283-5.

11. Almeida ARH, Menezes JA, Araujo GKM, Mafra AVC. Utilização de plasma rico em plaquetas, plasma pobre em plaquetas e enxerto de gordura em ritidoplastias: análise de casos clínicos. Rev Bras Cir Plást. 2008; 23(2):82-8.

12. Auersvald A, Auersvald LA, Biondo-Simões MLP. Rede hemostática: uma alternativa para prevenção de hematoma em ritidoplastia. Rev Bras Cir Plást. 2012; 27(1):22-30.

1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Minas Gerais, MG, Brasil.

2. Clínica Cló e Ribeiro, Belo Horizonte, MG, Brasil.

3. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

4. Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.